EUA e China entram em novo e potente confronto comercial com impacto global
As duas maiores economias do planeta iniciaram um novo e agressivo capítulo em sua disputa comercial, elevando tarifas e acirrando tensões que podem reverberar pelos mercados globais nos próximos meses. Enquanto os contêineres continuam sendo movimentados no Canal Rambler, coração operacional do Porto de Hong Kong, o cenário por trás das empilhadeiras e guindastes esconde uma reviravolta histórica no comércio internacional.
No dia 9 de abril, exatamente ao meio-dia, entraram em vigor as tarifas “recíprocas” impostas pelos Estados Unidos à China. O impacto imediato foi silencioso — nenhum alarme soou, nenhum navio parou — mas o significado era profundo. As taxas impostas atingem em cheio as exportações chinesas ao seu principal destino: o mercado americano. O governo de Pequim reagiu com medidas equivalentes, alegando estar combatendo o que chama de “bullying econômico” por parte de Washington.
Desde o anúncio inicial, em 2 de abril, o presidente Donald Trump escalou as tarifas em três rodadas. De uma taxa inicial de 34%, o valor subiu para 84% e, após o início da retaliação chinesa, alcançou 125%. A Casa Branca afirmou que, considerando penalidades adicionais, a tarifa efetiva sobre produtos chineses chega a 145%.
Em contraste, Trump recuou parcialmente com outros países. Tarifas mais brandas, de 10%, foram impostas a parceiros como Japão, Índia, Coreia do Sul e Taiwan, com um prazo de 90 dias para negociações bilaterais. A medida foi bem recebida pelos mercados: o índice S&P 500 subiu 10% no dia, recuperando parte das perdas acumuladas desde o início da crise tarifária.
Apesar desse alívio parcial, as tarifas aplicadas à China permanecem em níveis históricos. De acordo com análises do setor financeiro, a tarifa média ponderada dos EUA supera agora o pico registrado após a Lei Smoot-Hawley de 1930, símbolo do protecionismo americano da era pré-Segunda Guerra Mundial.
A resposta de Pequim também não se limitou às tarifas. A China incluiu empresas americanas, como a PVH (dona da Calvin Klein), em sua lista de “entidades não confiáveis” e restringiu exportações de metais estratégicos. O país ainda avalia suspender cooperação com os EUA em áreas sensíveis, como o combate ao tráfico de fentanil, e pode impor tarifas pesadas sobre serviços, um setor em que os EUA mantêm superávit com a China.
O risco para as empresas americanas não se limita às barreiras comerciais. Analistas chineses sugerem que a propriedade intelectual de companhias dos EUA pode ser investigada sob alegações de monopólio. Isso criaria novas fricções e dificultaria qualquer acordo entre Washington e Pequim.
Apesar das tentativas de Trump de negociar separadamente com outros países, o foco continua sendo a China — alvo principal da estratégia americana de “desacoplamento”. O governo chinês, por sua vez, demonstra cautela diante da imprevisibilidade do presidente americano. A disposição de Xi Jinping para negociações diretas com Trump parece limitada, dada a possibilidade de exposição política negativa.
Nos EUA, os impactos econômicos já começaram a surgir. Embora os indicadores de emprego sigam robustos, o JPMorgan Chase estimava antes da trégua parcial uma chance de 60% de recessão nos Estados Unidos e 40% de uma recessão global. A elevação das tarifas aumentará os custos de importação, pressionando a inflação e dificultando a redução de juros pelo Federal Reserve.
A China, por outro lado, enfrenta um cenário oposto: risco de deflação e desaceleração econômica. Estimativas apontam que o aumento das tarifas americanas pode cortar até 2,2% do PIB chinês em 2025. O governo já anunciou estímulos fiscais e monetários, incluindo corte de juros e emissão de novos títulos. Segundo o Barclays, a China poderá precisar injetar até 12 trilhões de yuans (cerca de 9% do PIB) para manter a meta de crescimento anual de 5%.
Empresas chinesas também buscam alternativas para driblar as tarifas, como realocar parte da produção para países vizinhos, como Vietnã e Tailândia. Mas essa estratégia, embora tentadora, não passa despercebida por Washington. O conselheiro comercial de Trump, Peter Navarro, acusou o Vietnã de funcionar como “colônia” para indústrias chinesas, sinalizando possíveis represálias.
À medida que o conflito avança, a pergunta persiste: quem recuará primeiro? Com dois líderes firmes em suas convicções e uma economia global sensível a choques, o desfecho dessa disputa ainda é incerto — mas promete marcar um novo capítulo nas relações comerciais do século XXI.