Torquato Neto: o poeta que reinventou a música, rompeu padrões e morreu aos 28 anos
Torquato Neto foi um dos nomes centrais da Tropicália. Jornalista, poeta, letrista e cineasta, viveu intensamente entre a invenção artística e a repressão política do país no fim dos anos 1960. Morreu jovem, em 1972, mas deixou uma obra que segue como referência para a música, a poesia e o jornalismo brasileiro.
Infância e formação
Nascido em Teresina, em 1944, cresceu entre rádios de válvula, sessões de cinema de bairro e cadernos escolares. Nos anos 1960, passou por Salvador, onde encontrou um circuito universitário efervescente em música e teatro, até chegar ao Rio de Janeiro em 1963 para estudar jornalismo. Ali, em meio ao ambiente cultural e político conturbado pelo golpe militar de 1964, começou a escrever em jornais como Correio da Manhã e Jornal dos Sports, aprendendo o ofício de repórter e crítico.
A Tropicália
Torquato foi parceiro decisivo de Gilberto Gil e Caetano Veloso. Com Gil, escreveu canções como “Geleia Geral” e “Marginália II”, que condensavam o espírito experimental e crítico da Tropicália. Com Caetano, assinou “Mamãe, Coragem”, lançada por Gal Costa no disco Tropicália ou Panis et Circencis (1968). Sua poesia, marcada por cortes secos e ironia, deu à Tropicália uma dimensão literária e conceitual.
Jornalismo e poesia
Entre 1971 e 1972, assinou a coluna “Geleia Geral” no jornal Última Hora, onde comentava cinema marginal, direitos autorais e música popular. Seus textos tinham o ritmo urgente das redações e o corte de manifesto poético. No mesmo período, escreveu o poema “Cogito”, publicado postumamente em Os Últimos Dias de Paupéria (1973), que se tornou um marco da poesia brasileira: direto, afirmativo e avesso a ornamentos.
O cinema marginal
Além da música e do jornalismo, Torquato também se aventurou no cinema. Participou do curta Nosferatu no Brasil (1971), de Ivan Cardoso, e realizou em Teresina o filme independente Terror da Vermelha, exibido em cineclubes por anos. Sua atuação no audiovisual reforçava o trânsito entre linguagens, característica de toda a sua obra.
Morte precoce
Na madrugada de 10 de novembro de 1972, um dia após completar 28 anos, Torquato Neto morreu no Rio de Janeiro. O registro jornalístico foi seco: suicídio. Mas a imagem final não apaga a força de sua trajetória — sua obra continua a inspirar artistas, cineastas, escritores e leitores.
Legado
Depois da morte, sua produção foi reunida em livros como Os Últimos Dias de Paupéria e Torquatália, além da revista-livro Navilouca, organizada com Waly Salomão. Décadas depois, documentários como Torquato Neto — Todas as Horas do Fim (2017) devolveram sua história à cena pública.
Comparado muitas vezes a Rimbaud, Torquato foi mais do que um meteoro. Foi um articulador de linguagens que preferiu o risco ao conforto e a invenção à acomodação. Sua lição ainda ecoa: misturar o que se tenta separar, cortar a solenidade e experimentar sem pedir desculpas.