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Teresina cresce de forma desordenada e aprofunda exclusão socioespacial

Expansão horizontal, falta de infraestrutura e especulação imobiliária travam o desenvolvimento equilibrado da capital piauiense.

Teresina enfrenta uma expansão urbana marcada pela dispersão e pela desigualdade. A cidade cresce, mas de maneira desordenada: enquanto bairros periféricos se alastram, as áreas centrais, bem servidas de infraestrutura, seguem ociosas por conta de interesses especulativos e ausência de políticas urbanas eficientes.

A verticalização da capital é restrita a poucos bairros — como Jóquei, Horto e parte das Ilhotas — enquanto milhares de famílias são empurradas para zonas cada vez mais distantes, como Santa Maria da Codipi e Teresina Sul. “A gente não conseguiu verticalizar por falta de esgotamento sanitário. Isso limita tudo”, relata um agente político ligado ao urbanismo da cidade.

Condomínios fechados e periferias esquecidas

Sem opções acessíveis de moradia verticalizada, a população se desloca para áreas distantes, onde proliferam conjuntos populares e loteamentos, muitas vezes sem infraestrutura adequada. De abril a junho de 2024, Teresina registrou a venda de 1.414 imóveis novos. Apesar do aparente equilíbrio entre unidades horizontais e verticais, a maioria dos edifícios concentra-se na zona leste, com preços elevados e metragens reduzidas, enquanto os empreendimentos horizontais se espalham por regiões com serviços públicos limitados.

A zona sul, por exemplo, possui bairros com infraestrutura consolidada — como Macaúba, Tabuleta e São Pedro — mas que seguem sem prédios de maior porte. “Não faz sentido empurrar gente para o fim do mundo enquanto regiões centrais seguem subutilizadas. Mais gente onde já tem cidade feita significa transporte mais barato, comércio mais forte e menos dinheiro público jogado em expansão ineficiente”, critica um urbanista ouvido pela reportagem.

O bloqueio da especulação

Milhares de metros quadrados em áreas valorizadas de Teresina permanecem ociosos. Terrenos em zonas como Raul Lopes e Homero Castelo Branco seguem preservados há décadas, não por limitações técnicas, mas por especulação imobiliária. “São os mesmos cinco donos que preservam esses terrenos apenas esperando valorizar”, denuncia uma fonte técnica do setor.

Para especialistas, a solução passa pela implementação efetiva do IPTU progressivo, já previsto no Estatuto da Cidade, mas nunca regulamentado na capital. “Isso precisa ser regulamentado em Teresina”, defende o vereador Daniel Carvalho, que prepara um projeto de lei para obrigar o uso social dessas áreas.

Burocracia e falta de saneamento travam verticalização

Outro entrave para o crescimento equilibrado é a ausência de esgotamento sanitário nas periferias, o que impede o licenciamento de empreendimentos de maior porte. Além disso, a lentidão da prefeitura em analisar projetos afugenta investidores. “Se resolvermos esses três pontos — saneamento, burocracia e especulação — Teresina pode ser uma capital muito mais inteligente”, resume Carvalho.

O que dizem os empresários

Representantes do setor imobiliário contestam a visão de que a retenção de terrenos é sempre especulativa. Argumentam que a compra e valorização de áreas fazem parte do funcionamento legítimo do mercado, movimentando a economia e gerando empregos, inclusive com atração de capital de estados vizinhos, como Maranhão e Ceará.

Além disso, criticam o foco recente em políticas tributárias como o aumento do IPTU, sem contrapartidas claras em infraestrutura e mobilidade, especialmente nas zonas mais afastadas. “O problema não está na arrecadação, mas na baixa eficiência da gestão pública”, afirmam.

Urbanização excludente se repete

Levantamento exclusivo feito pela reportagem em mais de 50 novos empreendimentos mostra que a maior parte das construções segue concentrada na zona leste, perpetuando o modelo de cidade partida: elite verticalizada em áreas nobres e periferia horizontalizada, sem estrutura.

Construtoras como MRV, Rivello, Vanguarda, Galib e Betacon dominam os lançamentos, oferecendo imóveis que variam de 26 m² a 279 m², com entregas previstas até 2027. Empreendimentos de entrada (até 40 m²) apresentam alta densidade habitacional, mas sem planejamento urbano proporcional nem contrapartidas públicas evidentes.

Alguns sinais de diversificação surgem:

  • Zona Sudeste: recebe projetos como o Condomínio Mío Dirceu e o Residencial Flor de Lis, voltados à habitação popular.
  • Zona Norte: aposta em projetos como Vila Esperança e Parque dos Diamantes, com foco em sustentabilidade.
  • Zona Sul: surgem condomínios horizontais, como no bairro Angelim.
  • Zona Leste: segue concentrando lançamentos de alto padrão, como Bosque dos Ipês e Jardim do Uruguai.

Apesar disso, o modelo de urbanização continua reforçando a segregação socioespacial e adiando a ocupação estratégica de outras áreas.

Comparativo com Recife: um incômodo necessário

Enquanto Teresina ocupa quase 1.400 km² com 860 mil habitantes, Recife concentra quase o dobro da população em uma área seis vezes menor. Teresina possui uma densidade de apenas 622 habitantes por km², contra 6.804 de Recife. “Isso escancara a ineficiência do uso do solo na nossa capital. A cidade perde em qualidade de vida e na geração de impostos que iriam beneficiar os mais necessitados”, afirma o vereador Daniel Carvalho.

Ponto de ruptura: cidade fragmentada

Teresina vive uma ilusão de progresso: de um lado, condomínios fechados de alto padrão se multiplicam em áreas afastadas, com estrutura e segurança; de outro, loteamentos populares surgem sem asfalto, esgoto ou transporte público confiável.

Lotes nesses empreendimentos chegam a custar entre R$ 80 mil e R$ 130 mil, mesmo sem infraestrutura adequada. A contradição se agrava diante dos milhares de terrenos desocupados em áreas estruturadas, mantidos ociosos por uma lógica especulativa que paralisa a cidade.

Para empresários, trata-se de segurança jurídica e estratégia de mercado; para urbanistas, de uma escolha política que perpetua desigualdades.

Enquanto a cidade cresce para onde não deveria, esvazia-se onde poderia pulsar. Sem políticas claras de adensamento e redistribuição fundiária, Teresina se fragmenta e retrocede, enquanto anuncia progresso.

“Romper esse ciclo exige coragem política, visão urbana e a união de todos. Teresina não pode continuar crescendo para longe enquanto se esvazia por dentro. Urbanizar é redistribuir acesso — sem isso, o que estamos construindo não é futuro, é exclusão revestida de condomínio”, conclui um urbanista ouvido pela reportagem.

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