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Fim do foro privilegiado: desafio à igualdade e à eficiência do sistema judicial brasileiro

O princípio da isonomia, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. No entanto, o foro por prerrogativa de função — conhecido como foro privilegiado — cria uma exceção prática a esse princípio, ao conceder a certas autoridades públicas a prerrogativa de serem julgadas por instâncias específicas, diferentes daquelas aplicáveis à população em geral.

Historicamente, o foro privilegiado foi justificado como forma de proteger o exercício de funções públicas relevantes. Com o tempo, entretanto, tornou-se um instrumento que dificulta a responsabilização penal de políticos, especialmente no Congresso Nacional. Deputados e senadores, por exemplo, são processados originariamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sem acesso ao duplo grau de jurisdição garantido a outros cidadãos pela Constituição e por tratados internacionais, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Especialistas alertam que essa centralização compromete tanto o direito à ampla defesa quanto a função constitucional do STF. Como destacou o ministro Luís Roberto Barroso, o Supremo não deve atuar como tribunal criminal de primeira instância, função que cabe aos juízes de primeiro grau. A acumulação de competências penais sobrecarrega a corte e desvirtua seu papel de guardiã da Constituição.

Em termos comparativos, o modelo brasileiro se distancia de democracias consolidadas. Países como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Canadá não preveem foro especial para parlamentares. França e Portugal restringem a prerrogativa apenas ao chefe de Estado ou a ministros, em casos específicos, sempre sob forte controle judicial. Além disso, cortes constitucionais em países como Alemanha, Itália, Espanha, Áustria e Portugal se dedicam exclusivamente à análise de normas e princípios fundamentais, sem acumular competências penais originárias.

Especialistas defendem que o Brasil siga esse caminho, transferindo julgamentos penais de autoridades públicas à primeira instância, sem retirar garantias processuais. A mudança ampliaria o acesso à jurisdição, garantiria o duplo grau de julgamento, valorizaria juízes concursados e tecnicamente preparados e reduziria a sensação de impunidade seletiva.

O fim do foro privilegiado não é apenas simbólico. Ele racionaliza o sistema judicial, fortalece o modelo republicano e rompe com tradições patrimonialistas herdadas do período imperial, que concediam privilégios desiguais a certas autoridades. Como ressaltou Carlos Velloso, o foro especial é uma “excrescência incompatível com os fundamentos do regime democrático”.

Portanto, sua extinção representa mais que uma alteração procedimental: reafirma compromissos republicanos como igualdade substancial, integridade institucional e responsabilização equânime. É uma medida que resgata a coerência do sistema de justiça brasileiro, fortalece o papel do juiz natural e reposiciona o Supremo Tribunal Federal no modelo moderno de cortes constitucionais.

Em resumo, acabar com o foro privilegiado significa transformar igualdade formal em igualdade real, consolidando uma justiça mais justa, eficiente e democrática.

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