Decreto que proíbe desapropriação de áreas ocupadas irregularmente em Teresina gera impasse jurídico e social
Medida é contestada por movimento de luta pela moradia e levanta debate sobre direitos constitucionais
A Prefeitura de Teresina publicou, no início de março, um decreto que impede a desapropriação de áreas ocupadas irregularmente na capital. A decisão, segundo o município, busca evitar especulação imobiliária e estabelecer critérios mais rígidos para o processo de desapropriação. No entanto, a medida enfrenta resistência do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, que a considera inconstitucional.
Prefeitura alega combate à especulação imobiliária
O decreto, publicado no Diário Oficial do Município em 6 de março, determina que terrenos ocupados irregularmente após essa data não poderão ser desapropriados para fins de indenização ou investimentos públicos. De acordo com a gestão municipal, a medida tem como objetivo frear práticas de especulação imobiliária e evitar fraudes no processo de desapropriação.
“Estamos proibidos, no município de Teresina, de conceder qualquer indenização para áreas ocupadas após o decreto. Isso vai prevenir golpes de indenizações e disciplinar as questões de ocupações irregulares”, explicou João Pádua, superintendente da Superintendência de Desenvolvimento Urbano Leste (SDU-Leste).
Além disso, a prefeitura argumenta que a desapropriação indevida pode incentivar novas ocupações irregulares. Para evitar esse cenário, o decreto suspende investimentos públicos em áreas que não estejam devidamente regularizadas.
“Quando investimos nessas áreas, acabamos incentivando a especulação imobiliária. Por isso, a prefeitura tomou essa decisão, pensando no bem do município e no desenvolvimento de Teresina”, completou Pádua.
Movimento de luta pela moradia critica a decisão
O Movimento Nacional de Luta pela Moradia contesta a medida, alegando que ela fere direitos constitucionais e prejudica famílias que aguardam a regularização fundiária. Segundo Anísia Teixeira, diretora da entidade em Teresina, a prefeitura não pode limitar um direito garantido pela Constituição.
“Temos amparo legal. A prefeitura não pode simplesmente editar um decreto que afeta toda uma população. Ainda há muitos bairros em Teresina que sequer foram regularizados, como a Vila Ladeira do Uruguai. Ou seja, ainda temos luta para regularizar muitas áreas, e a prefeitura cria um decreto que impede até mesmo a iniciativa de novas regularizações”, afirmou Anísia.
O movimento também questiona os critérios adotados para definir quando uma ocupação tem caráter social ou se trata de especulação imobiliária.
“Eles falam em especulação imobiliária, que de fato acontece em alguns casos, mas como eles fiscalizam isso? Como definem o que é para uso social e o que é apenas para lucro? Não há clareza nesse processo”, completou a diretora.
Especialista aponta que decreto precisa respeitar princípios constitucionais
O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Piauí (OAB-PI), Ian Cavalcante, afirmou que a prefeitura tem autonomia para estabelecer regras sobre desapropriações, desde que respeite direitos adquiridos e princípios constitucionais.
“O município pode restringir desapropriações, desde que respeite os princípios constitucionais e os direitos adquiridos. É importante destacar que existem dois tipos de ocupações: aquelas em que as pessoas realmente necessitam do local para fins sociais e aquelas motivadas exclusivamente por interesses financeiros”, explicou.
Segundo Cavalcante, a decisão pode enfrentar questionamentos judiciais caso não seja aplicada de forma transparente e criteriosa.
“Se for o segundo caso, a prefeitura pode, sim, vetar investimentos. No entanto, se a ocupação tiver caráter social, será necessária uma avaliação mais criteriosa”, concluiu o especialista.
O que diz a Constituição sobre desapropriações?
De acordo com o artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal, a desapropriação é um direito garantido quando há interesse público e deve ocorrer mediante indenização prévia. A legislação permite que governos municipais, estaduais e federal desapropriem terrenos ou imóveis para destinação social, como moradias, hospitais e escolas.
O impasse entre prefeitura e movimentos sociais pode se estender para a Justiça, já que a decisão impacta diretamente a política habitacional da cidade. Enquanto a gestão municipal defende a medida como forma de controle urbano e combate à especulação, entidades ligadas à moradia popular alertam para possíveis violações de direitos.
A polêmica deve continuar nos próximos meses, à medida que o decreto for aplicado e eventuais ações judiciais forem movidas por entidades de defesa da moradia.