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Brasil freia avanço dos BRICS na desdolarização e expõe limites de uma moeda comum

Reposicionamento estratégico brasileiro enfraquece plano de moeda única e revela desafios da coordenação monetária no bloco.

À medida que as rivalidades geopolíticas se intensificam e a desdolarização ganha força como instrumento de soberania monetária, os BRICS, tradicionalmente vistos como protagonistas nesse movimento, enfrentam um revés importante. O Brasil, membro influente do bloco, adotou uma postura mais pragmática e colocou freios na ideia de uma moeda comum, redirecionando o projeto que já vinha demonstrando sinais de fragilidade.

Em declaração recente, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Nilton David, afirmou que atualmente “nenhum estoque de ativos denominados nas moedas do grupo é suficientemente significativo para competir com o dólar americano”, e acrescentou que há “poucas chances de isso mudar durante a próxima década”. A fala, vinda justamente do país que assume a presidência rotativa dos BRICS em 2025, repercutiu como um sinal claro de mudança estratégica.

Realismo econômico prevalece sobre idealismo monetário

Historicamente, o Brasil foi um dos mais entusiastas defensores de uma alternativa monetária à ordem global dominada pelo dólar. Contudo, o cenário atual impõe limites claros à coordenação monetária entre os BRICS. O reconhecimento dessas barreiras explica, em parte, o reposicionamento brasileiro.

Entre os principais fatores que explicam a mudança de postura estão:

  • Realidade econômica inegável: Nenhuma das moedas do bloco, isoladamente ou em conjunto, possui força suficiente para substituir ou rivalizar com o dólar nos mercados internacionais a curto ou médio prazo.
  • Falta de coesão interna: Divergências entre os membros em políticas monetárias e gestão de reservas dificultam a construção de uma estratégia conjunta.
  • Ausência de uma governança supranacional: Ao contrário da União Europeia e seu Banco Central Europeu, os BRICS não possuem uma instituição que possa conduzir uma eventual moeda única.
  • Dependência estrutural do dólar: Grande parte do comércio internacional, incluindo operações entre os próprios membros do bloco, ainda é dolarizada. A transição seria longa, cara e tecnicamente complexa.

Embora o Brasil continue a apoiar iniciativas para reduzir a dependência do dólar — como o desenvolvimento de sistemas alternativos de pagamento e o uso de tecnologias como blockchain —, a ideia de uma moeda comum parece, ao menos por ora, descartada.

Pressão internacional e pragmatismo brasileiro

O contexto diplomático global também pesa sobre as decisões brasileiras. Nos primeiros meses de seu segundo mandato, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou impor sanções econômicas severas aos BRICS, incluindo tarifas alfandegárias de até 150%. A retórica agressiva de Washington visa justamente punir iniciativas que tentam marginalizar o dólar nas transações internacionais.

Embora as ameaças ainda não tenham se concretizado, elas influenciam diretamente os cálculos políticos e econômicos do bloco. O Brasil, diferente de China e Rússia, mantém forte dependência do comércio com os Estados Unidos, o que limita sua margem de manobra e ajuda a explicar a opção por uma inflexão mais cautelosa.

Mais do que um abandono definitivo da desdolarização, a declaração brasileira sinaliza uma desaceleração estratégica. Em vez de uma ruptura abrupta, o Brasil parece apostar em uma trajetória mais gradual, ajustando-se aos riscos e à instabilidade da atual ordem internacional.

Fim da moeda única, mas não do projeto de desdolarização

O provável abandono da moeda comum dos BRICS não significa o fim do esforço para reduzir a hegemonia do dólar. O processo pode se dar por meio de ajustes periféricos e soluções alternativas, que evitem o confronto direto com os Estados Unidos.

Os membros do bloco terão agora de lidar com os desafios impostos por uma geopolítica cada vez mais instável e pelo retorno do unilateralismo norte-americano. Para o Brasil, o realismo econômico se impôs como a diretriz principal, marcando uma nova fase na trajetória do grupo e na discussão sobre o futuro da ordem monetária global.

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